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casamento, uma coisa vazia, sem fundamento nem na nossa natureza nem nas nossas necessidades.
Graças à frouxidão, à pobreza intelectual e fraqueza de energia vital de Ismênia, aquela fuga
do noivo se transformou em certeza de não casar mais e tudo nela se abismou nessa idéia desesperada.
Coleoni enterneceu-se muito e interessou-se. Sendo bom de fundo, quando lutava pela fortuna
se fez duro e áspero, mas logo que se viu rico, perdeu a dureza de que se revestira, pois percebia bem
que só se pode ser bom quando se é forte de algum modo.
Ultimamente o major tinha diminuído um pouco o interesse pela moça; andava atormentado
com o seu caso de consciência; entretanto, se não tinha um constante e particular pensamento pela
desdita da filha de Albernaz, abrangia-a ainda na sua bondade geral, larga e humana.
Não se demorou muito na casa do compadre; ele queria, antes de voltar ao Caju, passar pelo
quartel do seu batalhão. Ia ver se arranjava uma pequena licença, para visitar a irmã que deixara lá, no
"Sossego", e de quem tinha notícias, por carta, três vezes por semana. Eram elas satisfa- tórias,
contudo ele tinha necessidade de ver tanto ela como o Anastácio, fisionomias com quem se encontrava
diariamente há tantos anos e cuja con- templação lhe fazia falta e talvez lhe restituísse a calma e a paz
de espírito.
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A última carta que recebera de Dona Adelaide, havia uma frase de que, no momento, se
lembrava sorrindo: "Não te exponhas muito, Poli- carpo. Toma muita cautela". Pobre Adelaide! Estava
a pensar que esse negócio de balas é assim como a chuva?!...
O quartel ainda ficava no velho cortiço condenado pela higiene, lá para as bandas da Cidade
Nova. Assim que Quaresma apontou na esquina, a sentinela deu um grande berro, fez uma imensa
bulha com a arma e ele entrou, tirando o chapéu da cabeça baixa, pois estava à paisana e tinha
abandonado a cartola com medo de que esse traje fosse ferir as suscetibili- dades republicanas dos
jacobinos.
No pátio, o instrutor coxo adestrava novos voluntários e os seus majestosos e demorados
gritos: ombroôô... armas! mei-ããã volta... volver! subiam ao céu e ecoavam longamente pelos muros
da antiga estalagem.
Bustamante estava no seu cubículo, mais conhecido por gabinete, irre- preensível no seu
uniforme verde-garrafa, alamares dourados e vivos azul- ferrete. Com auxilio de um sargento,
examinava a escrita de um livro quar- teleiro.
 Tinta vermelha, sargento! É como mandam as instruções de 1864.
Tratava-se de uma emenda ou de coisa semelhante.
Logo que viu Quaresma entrar, o comandante exclamou radiante:
 O major adivinhou!
Quaresma descansou placidamente o chapéu, bebeu um pouco d'água, e o Coronel Inocêncio
explicou a alegria:
 Sabe que temos de marchar?
 Para onde?
 Não sei... Recebi ordem do Itamarati.
Ele não dizia nunca do quartel-general, nem mesmo do ministro da Guerra; era do Itamarati,
do presidente, do chefe supremo. Parecia que assim dava mais importância a si mesmo e ao seu
batalhão, fazia-o uma espécie de batalhão da guarda, favorito e amado do ditador.
Quaresma não se espantou, nem se aborreceu. Percebeu que era impossível obter a licença e
também necessário mudar os seus estudos: da artilharia, tinha que passar para a infantaria.
 O major é que vai comandar o corpo, sabia?
 Não, coronel. E o senhor não vai?
 Não, disse Bustamante, alisando o cavanhaque mosaico e abrindo a boca para o lado
esquerdo. Tenho que acabar a organização da unidade e não posso... Não se assuste, mais tarde irei lá
ter...
Começava a tarde, quando Quaresma saiu do quartel. O instrutor coxo continuava, com força,
majestade e demora, a gritar: om-brôôô... armas! A sentinela não pôde fazer a bulha da entrada,
porque só viu o major, quando já ia longe. Ele desceu até à cidade e foi ao correio. Havia alguns tiros
espaçados; no Café do Rio, os levitas continuavam a trocar idéias para a consolidação definitiva da
República.
Antes de chegar ao correio, Quaresma lembrou-se de sua partida. Correu a uma livraria e
comprou livros sobre infantaria; precisava também dos regulamentos: arranjaria no quartel-general.
Para onde ia? Para o Sul, para Majé, para Niterói? Não sabia... Não sabia... Ah! se isso fosse
para realização dos seus desejos e sonhos! Mas quem sabe?... Podia ser... talvez... Mais tarde...
E passou o dia atormentado pela dúvida do bom emprego de sua vida e de suas energias.
O marido de Olga não fez nenhuma questão em ir ver a filha do gene- ral. Ele levava a íntima
convicção de que a sua ciência toda nova pudesse fazer alguma coisa; mas assim não se deu.
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A moça continuou a definhar, e, se a mania parecia um pouco ate- nuada, o seu organismo
caia. Estava magra e fraca, a ponto de quase não poder sentar-se na cama. Era sua mãe quem mais
junto a ela vivia; as irmãs se desinteressavam um pouco, pois as exigências de sua mocidade levavam-
nas para outros lados.
Dona Maricota, tendo perdido todo aquele antigo fervor pelas festas e bailes, estava sempre no
quarto da filha, a consolá-la, animá-la e, às vezes, quando a olhava muito, como que se sentia um tanto
culpada pela sua infelicidade.
A moléstia tinha posto mais firmeza nos traços de Ismênia, tinha-lhe diminuído a lassidão,
tirado o mortiço dos olhos e os seus lindos cabelos castanhos, com reflexos de ouro, mais belos se
faziam quando cercavam a palidez de sua face.
Raro era falar muito; e assim foi que, naquele dia, se espantou muito Dona Maricota com a
loquacidade da filha.
 Mamãe, quando se casa Lalá?
 Quando se acabar a revolta.
 A revolta ainda não acabou?
A mãe respondeu-lhe e ela esteve um instante calada, olhando o teto, e, após essa
contemplação disse à mãe:
 Mamãe... Eu vou morrer...
As palavras saíram-lhe dos lábios, seguras, doces e naturais.
 Não diga isso, minha filha, adiantou-se Dona Maricota. Qual morrer! Você vai ficar boa;
seu pai vai levar você para Minas; você engorda, toma forças...
A mãe dizia-lhe tudo isso devagar, alisando-lhe a face com a mão, como se se tratasse de uma
criança. Ela ouvia tudo com paciência e voltou por sua vez serenamente:
 Qual, mamãe! Eu sei; vou morrer e peço uma coisa à senhora...
A mãe ficou espantada com a seriedade e firmeza da filha. Olhou em redor, deu com a porta
semicerrada e levantou-se para fechá-la. Quis ainda ver se a dissuadia daquele pensamento; Ismênia,
porém, continuava a repeti-lo pacientemente, docemente, serenamente;
 Eu sei, mamãe.
 Bem. Suponho que é verdade: o que é que você quer?
 Eu quero, mamãe, ir vestida de noiva.
Dona Maricota ainda quis brincar, troçar; a filha, porém, voltou-se para o outro lado, pôs-se a
dormir, com um leve respirar espaçado. A mãe saiu do quarto, comovida, com lágrimas nos olhos e a
secreta certeza de que a filha falava a verdade.
Não tardou muito a se verificar. O doutor Armando a tinha visitado naquela manhã pela quarta
vez; ela parecia melhor, desde alguns dias, falava com discernimento, sentava-se à cama e conversava
com prazer.
Dona Maricota teve que fazer uma visita e deixou a doente entregue às irmãs. Elas foram lá ao
quarto várias vezes e parecia dormir. Distraíram-se.
Ismênia despertou: viu, por entre a porta do guarda-vestidos meio aberto, o seu traje de noiva.
Teve vontade de vê-lo mais de perto. Levan- tou-se descalça e estendeu-o na cama para contemplá-lo.
Chegou-lhe o desejo de vesti-lo. Pôs a saia; e, por aí, vieram recordações do seu casa- mento falhado.
Lembrou-se do seu noivo, do nariz fortemente ósseo e dos olhos esgazeados de Cavalcânti; mas não se
recordou com ódio, antes como se fosse um lugar visto há muito tempo, e que a tivesse impressionado.
De quem ela se lembrava com raiva era da cartomante. Iludindo sua mãe, acompanhada por
uma criada, tinha conseguido consultar Mme. Sinhá. Com que indiferença ela lhe respondeu: não
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volta! Aquilo doeu-lhe... Que mulher má! Desde esse dia... Ah!... Acabou de abotoar a saia em cima
do corpinho, pois não encontrara colete; e foi ao espelho. Viu os seus ombros nus, o seu colo muito [ Pobierz caÅ‚ość w formacie PDF ]
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